quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Teoria da vida futura

“(…) Toda religião repousa necessariamente na vida futura e todos os dogmas convergem forçosamente para esse fim único. É visando atingir esse fim que eles são praticados; e a fé nos dogmas está na razão direta da eficácia que se lhes atribui para o alcançar. A teoria da vida futura é, pois, a pedra angular de toda doutrina religiosa. Se essa teoria pecar pela base; se abrir o campo a objeções sérias; se se contradisser; se se puder demonstrar a impossibilidade de certas partes, tudo vai abaixo. Antes de mais vem a dúvida, à qual sucede a negação absoluta, e os dogmas são arrastados no naufrágio da fé. Pensaram em escapar ao perigo proscrevendo o exame e fazendo da fé cega uma virtude. Mas pretender impor a fé cega neste século (XIX) é desconhecer o tempo em que vivemos; refletimos, mau grado nosso; examinamos pela força das coisas; queremos saber como e porque. O desenvolvimento da indústria e das ciências exatas nos ensina a olhar o terreno sobre o qual pisamos, razão porque se sondamos aquele onde, conforme dizem, marcharemos depois da morte; se não o encontramos sólido, isto é, lógico, racional, não nos preocuparemos com ele. Por mais que façam, não conseguirão neutralizar essa tendência, porque inerente ao desenvolvimento intelectual e moral da humanidade. Segundo uns, é um bem; segundo outros, um mal. Seja qual for a maneira pela qual a encaramos, temos de nos acomodar, queiramos ou não, porquanto não pode ser de outra maneira. A necessidade de se dar conta e de compreender diz respeito às coisas materiais e às coisas morais. Indubitavelmente, a vida futura não é uma coisa palpável, como uma estrada de ferro e uma máquina a vapor; mas pode ser compreendida pelo raciocínio. Se o raciocínio, em virtude do qual buscamos demonstrá-la não satisfizer à razão, abandonamos as premissas e as conclusões. Interrogai aqueles que negam a vida futura e todos dirão que foram conduzidos à incredulidade pelo próprio quadro que lhes faziam, com seus cortejos de demônios, labaredas e sofrimentos sem-fim. Todas as questões morais, psicológicas e metafisicas, se ligam de maneira mais ou menos direta à questão do futuro. Disso resulta que dessa última questão depende, de alguma sorte, a racionalidade de todas as doutrinas filosóficas e religiosas. O Espiritismo vem, por sua vez, não como uma religião, mas como doutrina filosófica, trazer a sua teoria, apoiada no fato das manifestações. Ele não se impõe; não exige confiança cega; entra no número dos concorrentes e diz: Examinai, comparai e julgai; se achardes algo melhor do que isto que vos dou, tomai-o. Ele não diz: Venho destruir os fundamentos da religião e substituí-la por um culto novo. Diz: Não me dirijo aos que creem e se acham satisfeitos com suas crenças, mas aos que abandonam as vossas fileiras pela incredulidade e que não os soubestes ou pudestes reter. Venho dar-lhes, sobre as verdades que repelem, uma interpretação capaz de satisfazer sua razão e que os leva a aceita-la. E a prova de que o consigo é o número dos que tiro do atoleiro da incredulidade. Todos vos dirão: Se me tivessem ensinado essas coisas assim desde a infância, jamais teria duvidado; agora creio, porque compreendo. Deveis repeli-los, porque aceitam o espírito e não a letra? o princípio, e não a forma? Sois livres; se vossa consciência faz disto um dever, ninguém pensará em violenta-la; mas não digo apenas que isto seria um erro; digo mais: seria uma imprudência. (…)”______________________________________________________ (ALLAN KARDEC – REVISTA ESPÍRITA – ABRIL/1862)