sábado, 22 de julho de 2017

Tipos de Liderança espírita

Há dois tipos básicos de liderança espírita, decorrentes das necessidades naturais do movimento doutrinário. Podemos considerá-los nas seguintes categorias, segundo suas posições sociais, grau de cultura e funções que exercem nas instituições doutrinárias: 1.ª — Líderes Doutrinários — Fundadores, presidentes e diretores de instituições. Constituem uma categoria de liderança austera, de tipo paternalista, semelhante à dos anciãos judeus e à dos apóstolos e dirigentes de comunidades na Era Apostólica. São homens e mulheres respeitáveis dedicados à doutrina, dotados de mediunidade ou de grande experiência na prática mediúnica, na direção do culto e na orientação administrativa. Tornam-se conselheiros naturais da comunidade e exemplos de moralidade. Sabem expor com facilidade os princípios doutrinários, orientar os neófitos, refutar as críticas e agressões dos adversários. Caracteriza-os o respeito pela Doutrina, com repulsa às inovações de práticas doutrinárias e à mistura de elementos estranhos, provenientes de outras correntes espiritualistas. Até o final da década de 1920 a figura patriarcal desses líderes natos era comum em todo o Brasil. Cercados de respeito, admiração e até mesmo de veneração, fisicamente caracterizados por suas barbas longas e brancas, bigodes espessos, ou por cavanhaques brancos e pontudos, bigodes penteados, eles representavam o patriarcado espírita e os sólidos baluartes da doutrina inviolável. Estudavam as obras de Kardec e Léon Denis, de Ernesto Bozzano e Gabriel Delane. Firmavam-se nas pesquisas científicas de William Crookes, Alexandre Aksakof, W Charles Richet e outros luminares da época e rejeitavam sistematicamente a mistificação de Roustaing, que apenas o grupo da Federação Espírita Brasileira, no Rio, sustentava e divulgava, como ainda hoje [1978] o faz, com apoio de alguns grupos do Norte e Nordeste e uma minoria do extremo-sul. O bom senso os guiava na interpretação prática dos ensinos de Kardec, o Codificador. As transformações políticas dos Anos 1930, com a queda da I República e quebra do Café, o período Getulista e suas reformas, depois a I Guerra Mundial e o desenvolvimento forçado da industrialização, o panorama nacional modificou-se profundamente e o panorama espírita foi afetado. A geração dos patriarcas desapareceu rapidamente. O Mundo entrava na fase acelerada de transição que os Espíritos haviam anunciado a Kardec (como se vê em Obras Póstumas) e os horrores da II Guerra Mundial faziam brotar as gerações do desespero. Lembro-me da figura patriarcal de João Leão Pita (o Velho Pita, companheiro de Cairbar Schutel) em seus últimos dias de vida terrena, no Hospital da Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Suas longas barbas brancas e seus olhos azuis lembravam o velho Batuira, já então no Além. Pita, intransigente e lúcido, corajoso e temido encerrava a Era Patriarcal do Espiritismo Brasileiro. As novas gerações assumiam a liderança de um movimento órfão, aturdidas e inseguras. Deviam, segundo a lei das sucessões, reelaborar as experiências das gerações anteriores, mas não dispunham das condições necessárias. Novos líderes surgiram ansiosos por impor-se no panorama espírita, excitados por novidades e desprovidos de bases sólidas no tocante ao conhecimento doutrinário. Teorias antigas, como folhas secas sopradas pelos ventos do mundo desvairado, vinham das catacumbas de múmias do Egito, das vastidões da Índia e da Mesopotâmia, renovar a mentalidade espírita mal formada e pior informada. As instituições doutrinárias, mal dirigidas por líderes vaidosos e convencidos de sua sabedoria eclética, assistidos por sub-líderes subservientes, não dispunham mais, em suas raízes secas, da seiva necessária para uma reação defensiva. Caminhamos assim, de deturpação em deturpação, através de disparatadas acusações de erros de Kardec, para os mistifórios mais absurdos. A tentativa de criação de um Espiritismo corpuscular para substituir toda a obra kardeciana fracassou por falta de lógica. Os manuais, cursos e até mesmo um tratado de mediunidade em que os minerais, os vegetais e os animais figuravam como médiuns, resultaram numa seita de fanatismo. A tentativa delirante de dividir em duas partes a obra de Kardec e converter o Mestre em figura de lenda simplória afogou-se no seu próprio ridículo. Mas a vaidade e a ignorância de mãos dadas tinham ainda um último golpe a tentar. Os novos líderes espíritas, embriagados pelo prestígio popular conseguiriam traçar um plano geral de aviltamento da Doutrina e efetivar o primeiro passo: a adulteração da obra mais popular de Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Essa profanação de gentio, como a classificou o poeta Rudmar Augusto, provocou a indignação das pessoas de bom-senso e dos adeptos fiéis da Doutrina, selada historicamente pela condenação maciça do Congresso Estadual da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo. Apesar dessa vitória da dignidade doutrinária, trinta mil volumes adulterados já haviam sido trocados pelas moedas de Judas e infestado o movimento espírita brasileiro. A insensibilidade dos novos líderes não lhes permitiu renunciar aos seus postos de liderança rejeitada. Continuaram em seus lugares e tentaram ainda mais um golpe: a destruição da USE [União das Sociedades Espíritas do Estado] pela sua absorção nos quadros profanados da Federação. Perderam mais essa cartada mas não se deram por achados. O excesso de tolerância e a inconsciência da maioria responsável pela instituição, a incompreensão da gravidade do caso de adulteração oficial dos textos doutrinárias permitiram passivamente a continuidade das lideranças falidas. Tudo isso nos mostra a distância que se estendeu, o vácuo aberto entre duas épocas: a dos líderes natos e respeitáveis do passado e a dos líderes levianos e inconsequentes do presente. Nesta fase de aviltamento da espécie humana em todo o mundo, não houve condições para o restabelecimento da austeridade espírita em termos de respeito pela Doutrina e moralização dos quadros doutrinários. Onde os líderes não revelam capacidade de liderança a massa perde o rumo e a convicção doutrinária é substituída pelo aviltamento das consciências. Foi assim que o Cristianismo entrou no eclipse medieval e restabeleceu a mitologia e a idolatria que o Cristo condenara em termos candentes, com expressões vigorosas que os adulteradores modernos procuraram substituir por frases ambíguas e ridículas nos textos evangélicos e na obra de Kardec. Assim traçado esse panorama sombrio, com as cores quentes da realidade ainda palpitante — demonstrado em fatos clamorosos e inegáveis as consequências da falta de convicção e austeridade no trato dos problemas doutrinários, podemos voltar à análise do problema das lideranças.

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